O que acontece se um país não pagar sua dívida com outros países?

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Se você já pediu um empréstimo pessoal ao seu banco, certamente sabe muito bem como o esquema deve funcionar. Você recebe o dinheiro que precisa para suas despesas e devolve esse dinheiro mais tarde, com juros, em uma data definida. E se você não pagar de volta, há muita maneiras diferentes do seu credor tentar recuperar o dinheiro, que vão desde diminuir a sua pontuação de crédito até confiscar seu carro ou casa. Uma falência pessoal pode ter um impacto bastante negativo na sua capacidade de garantir créditos a uma taxa decente em anos futuros. É preciso uma quantidade de tempo e trabalho árduo dedicado para esclarecer um incidente, ou mesmo um período, de não pagar empréstimos em nível pessoal.

Indivíduos pedem dinheiro emprestado, e várias empresas de todos os tipos e tamanhos costumam pedir dinheiro emprestado, seja uma startup de tecnologia, uma produtora de filmes ou uma varejista nacional. Indo ainda mais longe, os países também emprestam e pedem dinheiro emprestado. Então, o que acontece se um país pedir dinheiro emprestado e não devolver?

É uma realidade mais comum do que você imagina. De acordo com o The Balance, a inadimplência de dívidas é uma situação comum que já aconteceu em todo o mundo em quase todos os países pelo menos uma vez. Conforme relata o FinTechExplained, a Espanha entrou em default mais de 15 vezes antes de 1939. Em tempos mais recentes, a Grécia entrou em default em 2015, enquanto a Venezuela entrou em default em 2017.

O calote da Rússia

Com um país, o impacto é mais amplo. Uma coisa é um cidadão privado perder o poder de pagamento com um cartão de crédito; outra bem diferente é uma entidade internacional deixar de pagar um empréstimo conforma acordado e prometido. Um caso recente de inadimplência notável aconteceu quando a Rússia deveria pagar certos títulos internacionais até 4 de abril. Para evitar um capote total, a Rússia tentou pagar algumas de suas dívidas em rublos, já que não conseguia acessar a moeda americana. Isso é chamado de "default seletivo" - um país paga algumas de suas dívidas, sem pagar o valor total.

A Rússia tentou pagar uma dívida de títulos em rublos quando deveria ter pago em dólares americanos. O problema com isso é que a moeda flutua em valor. O rublo caiu cerca de 40% em valor após a invasão da Ucrânia no início deste ano. Como resultado, agora, seriam necessários cerca de 79 rublos para corresponder a um dólar americano.

Então, por que a Rússia não pode pagar toda a sua dívida? Bem, eles tecnicamente têm o dinheiro – há uma reserva de moeda com cerca de US$ 315 bilhões. Mas essa reserva foi congelada quando a Rússia invadiu a Ucrânia, levando os EUA a impor sanções severas.

Desvalorização da moeda

A Rússia foi autorizada a pagar seus empréstimos com alguns desses fundos, mas não foi autorizada a retirar o dinheiro dos bancos americanos e, em vez disso, teve que usar rublos desvalorizados. A Rússia agora ameaçou uma ação legal, sem especificar quem exatamente o país planeja processar.

Segundo a FinTechExplained, quando um país deixa de pagar o empréstimo que adquiriu, uma “tsunami” de consequências começa. A maior e primeira consequência geralmente é que a moeda do país desvalorização, tornando a moeda inferior em relação ao dinheiro de outros países. Portanto, um rublo poderia teoricamente valer o mesmo que um dólar americano – e após uma desvalorização, como a recente queda de 40% no valor, um rublo valeria apenas 60 centavos em comparação com um dólar americano.

De acordo com o The Balance, após a desvalorização da moeda russa, o país trabalhará para reestruturar suas dívidas com seu credor. Isso geralmente significa escolher uma nova data para o pagamento ou reduzir a quantidade de dinheiro que precisa ser reembolsada – mas às vezes a moeda será desvalorizada ainda mais.

Impactos na vida real

Ainda segundo o FinTechExplained, a desvalorização da moeda não afeta apenas o governo – também tem impacto real na vida dos cidadãos. Daí as pessoas podem se reunir em filas quilométricas nos bancos para tentar sacar todo o seu dinheiro, o que acaba causando uma crise bancária. Essa ação tem um impacto duradouro: a dívida pública pode acelerar em dois terços nos anos seguintes a uma crise bancária.

Ao contrário de quando uma pessoa individual que deixa de pagar suas dívidas e pode ter sua propriedade recuperada, isso não acontecerá com um país. Não pagar um empréstimo pode azedar as relações entre os dois países, o que pode levar ao aumento das tensões e até mesmo à ação militar.

Um dos impactos mais duradouros no país é que seu nome pode ser manchado e outros países podem evitar emprestar a ele no futuro. Segundo a agência de classificação de risco Fitch Ratings, o Brasil ultimamente perdeu um de seus selos de bom pagador. Tal fator pode refletir em riscos negativos à economia, às finanças públicas e à trajetória da dívida.

No entanto, são os países que têm o PIB menor ou sofrem de estabilidades governamentais que costumam dar calotes em seus empréstimos, o que com o tempo, pode corroer a confiança e tornar outros países menos propensos a conceder outros empréstimos no futuro. E há outras consequências também.

No geral, não há como fazer um país pagar um empréstimo se não quiser, ao contrário de um empréstimo bancário pessoal. O país que der calote em seu empréstimo também pode ser banido do mercado global de títulos. Muitos países utilizam esse mercado de títulos para expandir sua nação – e sem crédito externo, os países pequenos podem ter dificuldade em funcionar bem.

Encontrando uma solução

Felizmente para essas nações, mesmo quando elas não pagam seus empréstimos, geralmente uma rápida solução é elaborada. Para evitar graves consequências internacionais, o país muitas vezes trabalhará para pagar sua dívida por um longo período de tempo. Afinal, o credor prefere ter parte do dinheiro reembolsado do que nenhum. Em contrapartida, o país credor pode tomar medidas essencialmente punitivas – seja aumentando as taxas de juros, reduzindo os limites de crédito do país inadimplente ou impondo outras restrições para evitar uma futura inadimplência e reduzir o risco.

Apesar de todos esses potenciais impactos negativos, também pode haver resultados positivos de inadimplência de empréstimos. Ter uma moeda desvalorizada pode criar uma situação lucrativa para os exportadores porque, se seu produto for mais barato, outros países podem querer comprar mais de seus produtos. Uma moeda desvalorizada também é adorada pelos turistas, que podem visitar aquele país de forma barata economizando seu dinheiro. Mas quando se trata da Rússia, os efeitos dessa inadimplência são apenas outro tipo de sanção entre as muitas já aplicadas desde que a Rússia invocou os conflitos ucranianos.

Fonte: UOL Economia, Grunge